sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A ASTRONOMIA NA ANTIGUIDADE

A ASTRONOMIA NO MÉDIO ORIENTE
Desde a Antiguidade até ao século XVII, a Astronomia teve dois objectivos relacionados um com o outro. Por um lado, mostrar que os movimentos dos planetas não eram aleatórios mas sim regulares e previsíveis e, por outro, ser capaz de prever esses mesmos movimentos com grande acuidade.
O primeiro dos dois objectivos foi definido pelos Gregos, tendo o esforço quanto ao rigor das primeiras medições sido primeiramente desenvolvido pela distinta civilização da Babilónia.
Quando Alexandre, o Grande, invadiu a Pérsia no século IV A.C., as duas formas de estudar o céu fundiram-se.
A cidade da Babilónia, situada na margem esquerda do rio Eufrates, 70 km a Sul da moderna cidade de Bagdad, foi, durante um período chamado Babilónia Antiga(provavelmente 1830-1531 A.C.), reinado pela dinastia Hamumurabi. A Babilónia foi então tomada pelos Hititas mas rapidamente caíu nas mãos dos Cassitas, após o que se seguiu um longo período de dominação Assíria. Este período terminou com a destruição de Niniveh e a destruição da Grande Biblioteca em 612 A.C.. Após um período de independência, Babilónia caíu nas mãos dos Persas, até que em 331 A.C. foi tomada por Alexandre, o Grande, pelo que a partir desse momento as duas culturas ficaram directamente em contacto.
As tabelas em pedra que chegaram até nós desde esta época são mais importantes para a história da Matemática que para a história da Astronomia. No entanto, apresentam uma técnica fundamental para o desenvolvimento posterior da Astronomia: o emprego de uma notação numérica eficiente.
Para escrever o número 1, o escriba babilónico pressionava o escopro verticalmente sobre a pedra ( ); para marcar o 10 pressionava inclinado (). Combinações destas duas marcas eram usadas até 59. No entanto, para 60 era de novo usado o símbolo 1. Embora só tardiamente tivesse aparecido um símbolo para o zero, a notação babilónica permitia fazer calculos sérios e elaborados com alguma facilidade.
A nossa divisão da hora em 60 minutos compostos por 60 segundos, e a divisão similar dos ângulos, reflecte esta notação babilónica.
Os primeiros observadores celestes da Babilónia são muitas vezes encarados como astrólogos no sentido grego do termo, isto é, como estudiosos das consequências directas e inevitáveis para os indivíduos, como consequência da configuração dos corpos celestes. No entanto, esta visão não está correcta. Os babilónicos estavam extremamente alertas relativamente a quaisquer fenómenos ou ocorrências da Natureza em qualquer área do saber, tentando prevê-las de forma a evitar eventuais desastres provocados pelas mesmas.
7000 interpretações de fenómenos estranhos (omens) foram acumuladas ao longo dos anos em 70 lâminas de pedra, conhecidas pelas suas palavras de abertura como Enuma Anu Enlil, tendo a sua versão final sido terminada cerca de 900 A.C..
O corpo celeste mais vezes citado no Enuma é a Lua; o calendário babilónico era lunar, pelo que o ciclo da Lua era de extrema importância.
Tendo os meses lunares cerca de 28 dias, o calendário das culturas, determinado pelo ano solar, tinha entre doze e treze meses. Durante muito tempo os babilónicos tiveram que fazer ajustes, mas por volta do século V A.C. descobriram que 235 meses lunares eram exactamente 19 anos solares. Assim, passaram a intercalar 7 meses em cada 19 anos de forma regular.
O calendário lunar da Babilónia foi o primeiro a ser dividido em quatro períodos correspondentes às quatro fases da Lua. Esta divisão em períodos de sete dias deu origem às semanas tal como as conhecemos hoje. De facto, como se pode ver da Tabela 1, o nome dos dias da semana advém do nome do objecto celeste adorado em cada dia na Babilónia.
 

Figura 1 - Parte de uma tabuleta Babilónica de Sippar, construída em 870 A.C., actualmente no British Museum. Um texto próximo evoca a restauração de uma imagem antiga do deus-Sol Shamash.
 
MESOPOTÂNIA
INGLÊS
FRANCÊS
ESPANHOL
Dia da Lua
Monday
Lundi
Lunes
Dia de Marte
Tuesday
Mardi
Martes
Dia de Mercúrio
Wednesday
Mercredi
Miercoles
Dia de Júpiter
Thursday
Jeudi
Jueves
Dia de Vénus
Friday
Vendredi
Viernes
Dia de Saturno
Saturday
Samedi
Sabado
Dia do Sol
Sunday
Dimanche
Domingo
 
Os babilónicos verificaram que o Sol na sua viagem aparente em relação ao céu de fundo não mantinha uma velocidade constante. Durante metade do ano a velocidade do Sol aumenta de forma constante até atingir um máximo e na outra metade do ano diminui até atingir um mínimo.Como não possuiam as ferramentas matemáticas que lhes permitissem analisar completamente o movimento, assumiram que durante metade do ano a velocidade aumentava de forma constante e durante a outra metade diminuía de forma constante, como representado na Figura 2.

Figura 2 - Uma representação em termos modernos dos dados apresentados numa lâmina datada de 133/132 A.C..
 

Figura 3 - A deusa egípcia Nut (o firmamento) suportada pelo deus Shu e separada do seu amante (a Terra).
 
Não é claro se os astrónomos da Babilónia possuíam algum modelo do Universo ou não. O que sabemos é que transferiram para os gregos as suas aritméticas envolvendo o tempo e distâncias angulares. Era isto precisamente que faltava aos gregos para transformar as suas cosmologias especulativas em modelos geométricos a partir dos quais se puderam determinar com elevada precisão as efemérides.
Os egípcios tinham um sistema dos mundos profundamente mitológico. No entanto, tinham noções observacionais muito concretas e correctas; de facto, verificaram que o céu possuía um movimento aparente em torno do Pólo Norte Celeste. Devido à precessão do eixo da Terra, a estrela polar era nessa altura a estrela "Thuban", na constelação do Dragão.
Para a construção das pirâmides era importante achar o alinhamento a Norte, pois uma das faces deveria ficar perfeitamente virada a Norte. Os Faraós, com a ajuda de uma sacerdotisa e de escravos, alinhavam estacas na direcção Norte, buscando-a com as guardas da Ursa Maior (que nesse tempo eram "Phecda" e "Megrez" e não "Dubhe" e "Merak") (Figura 4). O alinhamento obtido era então usado para construir as partes laterais da pirâmide, perpendicularmente às quais deveriam ficar os topos sul e norte (Figura 5).
 
   
 
Figura 4 - O alinhamento das pirâmides era efectuado pelo faraó com a ajuda da sacerdotisa-mor.
 
 
   
 
Figura 5 - Durante a construção da pirâmide, primeiro eram alinhadas as faces Este e Oeste e as faces Sul e Norte eram alinhadas perpendicularmente às primeiras.
 
 
O facto da transmissão do conhecimento ser empírico, e não actualizado, faz com que as pirâmides do Egipto, além de possuirem desfasamentos ligeiros relativamente ao Norte verdadeiro, tenham desfasamentos diferentes de pirâmide para pirâmide à medida que o eixo da Terra foi precedendo.
As primeiras observações da Grécia Antiga são melhor conhecidas pelo conjunto de lendas e mitos que até nós chegaram do que pela existência de documentos escritos.
De facto, os gregos observaram a maior parte dos movimentos aparentes do céu e documentaram-nos de forma por vezes não muito científica. Porém, sem sombra de dúvidas, rigorosa quanto às observações por eles efectuadas.
Quando dizemos que a forma como as observações eram documentadas não era muito rigorosa, não podemos esquecer que nos encontrávamos na fase do mito, em que as entidades divinas eram a explicação do inexplicável à luz dos conhecimentos vigentes. Assim, todas as observações que não possuíam explicação de acordo com os seus conhecimentos, davam origem a "novelas", em que os protagonistas eram os deuses, sendo o conjunto dessas "novelas" uma explicação da aparentemente inexplicável Natureza, constituíndo aquilo que se chamou mais tarde de mitologia grega.
Vejamos um exemplo da forma como foi documentada uma constatação observacional. Já na Mesopotâmia, no Egipto e na Grécia Antiga era sabido que a esfera celeste rodava em torno do Pólo Norte Celeste, havendo algumas estrelas que, à sua latitude, nunca desapareciam, como é o caso das estrelas que constituem as constelações da Ursa Maior e Ursa Menor. Diz-se que essas estrelas são circumpolares, por se encontrarem suficientemente próximas do Pólo Celeste para que tal ocorra.
 
   
 
Figura 6 - Movimento aparente das estrelas em torno do Pólo Celeste. No Hemisfério Norte o movimento dá-se no sentido directo e no Hemisfério Sul em sentido retrógrado.
 Figura 7 - Constelação da Ursa Maior.
Crédito: "Roteiro do Céu", Guilherme de Almeida, Plátano Ed.
 
 
Podemos constatar que os gregos tinham noção de que as "Ursas" eram circumpolares a partir de uma das novelas mitológicas por eles criadas acerca destas constelações. A Ursa Maior tem um grande número de variantes mitológicas, havendo um mínimo de quatro, apenas na mitologia greco-romana.
Dizia-se que Zeus (o Deus dos Deuses) era um grande namoradeiro, e que se apaixonava por humanas com grande facilidade. Devido à sua habilidade em tomar o aspecto que entendesse, rapidamente as encantava e cativava. Assim, aconteceu que Zeus foi pai de Hércules, entre outras "escapadelas".
A Deusa Hera, esposa de Zeus, que era infelicíssima com estas traições constantes, conseguiu que Zeus lhe prometesse que não voltava a enganar. Mas, passado algum tempo, Zeus conheceu uma humana lindíssima chamada Calisto, filha do Rei Licaone de Arcádia, tendo-se perdido de amores por ela. Da sua paixão resultou uma filha.
Ao descobrir esta nova infidelidade, Hera ficou perfeitamente possessa e, dado que não podia castigar Zeus, transformou as duas humanas, mãe e filha, em ursas.
Passado algum tempo, Zeus descobriu o que Hera tinha feito. Infeliz pelo que havia provocado e dado não poderem os deuses anular os castigos de outros deuses, colocou as duas ursas transformadas em estrelas no céu, num local que passasse no zénite ao longo do ano.
Quando Hera se deu conta desta ocorrência, ficou furiosa e aplicou um novo castigo nas duas ursas, dizendo: "Ficam no céu, mas hão-de ficar sujas para toda a eternidade, pois jamais tomarão banho", e colocou-as no local onde hoje se encontram.
 
De facto, à nossa latitude, se estivermos olhando para o mar, as "Ursas" parecem girar em torno da Estrela Polar, sem nunca entrarem dentro de água, tal como diziam os gregos.
Esta lenda de grande rigor observacional é válida às latitudes da Grécia e de Roma. Como veremos adiante, a Estrela Polar vai ficando mais baixa à medida que nos aproximamos do equador, deixando de haver estrelas circumpolares a essa latitude. Mas os gregos nunca foram a latitudes tão baixas, pelo que era difícil terem conhecimento desse facto.
A primeira visão do mundo terá obviamente assumido uma realidade local, isto é, que a Terra seria plana.
Os primeiros cosmólogos gregos que são conhecidos a partir de documentos escritos são da próspera ilha grega de Jónia. Anaximenes sugeria que o Sol não se punha, mas apenas era tapado por zonas mais elevadas que existiam a Norte (Figura 8). Claro que isto não explicava porque existia a noite cerrada.
 
Figura 8 - O mundo de Anaximenes.
 

Figura 9 - As estrelas e o Sol são massas de fogo aprisionadas que apenas chegam até nós através de "respiradouros" na abóbada celeste.
 
Thales de Mileto (c.625-c.547 A.C.) pensava que existia uma unidade material entre os fenómenos transientes a que os nossos olhos assistem; alegadamente essa unidade material seria garantida pela água e a Natureza seria muito mais inteligível que o que seria de esperar da aparente variedade interminável de materiais que nos rodeia.
Anaximandro (c.610-c.545 A.C.), também de Mileto, tentou explicar a forma dos corpos celestes como sendo continuamente transportados de e para o infinito sucessivamente mantendo-se a Terra (que era um cilindro onde, numa das faces, vivia o Homem) permanentemente na mesma posição relativamente ao Universo. O Universo para além da Terra era constituído por Fogo que chegava à Terra através de orifícios na esfera celeste, constituindo as estrelas e o Sol. A esfera celeste rodava de forma constante a cada 24 horas.
Embora o seu modelo cosmológico tivesse já limitações óbvias, representava um salto relativamente aos modelos mitológicos desenvolvidos anteriormente, pois substituía os mitos por uma lei natural impessoal.
 
Empédocles viria a explicar os dias e as noites através do modelo da dupla esfera. Uma esfera interior era luminosa numa metade e transparente na outra metade e dava uma volta a cada 24 horas. A outra esfera continha o firmamento visível à noite e que rodava uma vez a cada 365 dias.
Os Pitagóricos, por seu turno, tentaram criar relações geométricas, aritméticas e mesmo harmónicas que explicassem os fenómenos. Estabeleceram relações entre números abstractos e os fenómenos naturais, tendo generalizado o conceito de que o número seria a base de todas as coisas. Estes mesmos Pitagóricos conseguiram um feito notável na história do reconhecimento da Natureza, que foi o assumir de uma Terra esférica. Os argumentos que utilizaram não são conhecidos, mas a prova dada mais tarde por Aristóteles (que a sombra da Terra na Lua durante os eclipses é sempre circular) é convincente.
Os Pitagóricos introduziram ainda a ideia de Cosmos, como conjunto ordenado de sobretons e harmonias, que regiam todos os corpos celestes. Esta intuição de que o Universo devia ser harmonioso viria a ser uma grande força motriz da Astronomia do Renascimento.
Platão e Aristóteles foram o segundo e terceiro grandes filósofos de uma escola iniciada por Sócrates em Atenas. Sócrates, embora não tenha deixado nada escrito, ficou imortalizado nos Diálogos de Platão. Aristóteles, pelo contrário, escrevia imenso e uma grande quantidade dos seus escritos resistiu até aos dias de hoje.
 

Figura 10 - O sistema da dupla esfera de Empédocles.
 
Embora, quer Platão, quer Aristóteles, concordassem com a existência de um cosmos ordenado, Platão acreditava, contrariamente a Aristóteles, que as respostas que explicariam essa ordem apenas poderiam vir de um raciocínio matemático.
Até Aristóteles, os filósofos haviam encontrado dois pares contrastantes na natureza: frio versus calor e seco versus húmido.
 

Figura 11 - Visão Aristotélica da Terra.
De acordo com Aristóteles, corpos que eram frios e secos eram na sua maioria constituídos por Terra, os que eram frios e húmidos eram na sua maioria constituidos por água, aqueles que eram quentes e húmidos formados por ar e os que eram quentes e secos formados por fogo. A Terra era na sua maioria formada por terra com uma camada mais exterior de água (os mares), sobre as quais havia uma fina camada de ar (a atmosfera). Sobre a atmosfera havia uma camada de fogo que acaba imediatamente antes da Lua.Dentro desta região - que constituía o mundo terrestre ou sublunar - existia vida, morte e mutabilidade. Qualquer corpo tinha um lugar natural - altura natural ou distância ao centro da Terra - que estava associado à proporção em que os quatro elementos entravam na sua composição. Se não fosse impedido, qualquer corpo seguiria em linha recta, definida a partir do centro da Terra, para o seu lugar natural.
 
Havia para Aristóteles uma diferença fundamental entre as regiões terrestres e celestes, entre a imprecisão e variabilidade encontrada na região terrestre e a perfeição geométrica encontrada nos corpos celestes, contituídos por pontos ou círculos de luz. Nos céus não havia qualquer vida ou morte, aparecimento e desaparecimento. Pelo contrário, os corpos celestes mantinham o seu movimento de translação eternamente, num perfeito movimento circular uniforme (o problema dos cometas foi rapidamente resolvido, pois estes corpos, como iam e vinham, tinham, por isso, natureza terrestre).
Mas se a estabilidade do seu modelo da Terra não estava em dúvida, o status dos céus como um Cosmos onde prevalecia a ordem esteve em questão até que se conseguiram criar leis de movimento que conseguissem explicar os astros "errantes". Com sete pequenas excepções, os corpos celestes moviam-se de uma forma perfeitamente racional, rodando com uma regularidade extrema em torno da Terra com posições fixas, uns em relação aos outros.
 
Figura 12 - O Cosmos de Aristóteles.
Figura 13 - O fenómeno da retrogradação para indicar um carácter aleatório para o movimento dos errantes.
 
Uma vez que os astros "errantes" parecem errar entre os "fixos" de noite para noite ao longo do ano, foi-lhes dado o nome de planetas (derivado do verbo grego equivalente a "errar"). Os sete "planetas" - o Sol, a Lua, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno - moviam-se individualmente entre as estrelas fixas, com velocidades diferentes e com um movimento que aparentemente parecia aleatório (como se verificava nas retrogradações), daí que se dissesse que erravam (Figura 13).
Aristóteles e Eudóxio propuseram sistemas dos mundos em que os planetas girariam em esferas concêntricas, com o centro das esferas dado pela Terra; no entanto este sistema não explicava quer o carácter errante dos astros, nem as variações de velocidade que os mesmos apresentavam em relação ao fundo cósmico.
Uma explicação para a retrogradação foi proposta geometricamente por Eudoxo de Cnidius (c.400-347A.C.). A explicação estaria associada à revolução dos planetas descrevendo hipópodes (Figura 14) à medida que se dava a sua translação ao longo da sua esfera.
No entanto, esta explicação não coincidia com a trajectória observada dos planetas.
O carácter errante dos planetas apenas viria a ter pela primeira vez uma descrição convincente com o trabalho de Ptolomeu no século II D.C..

Figura 14 - Hipópode da descrição da revolução de um planeta
 
ERATÓSTENES DE CIRENE - PRIMEIRA DETERMINAÇÃO DAS DIMENSÕES DA TERRA
 

Figura 15 - Eratóstenes.
Eratóstenes nasceu em Cirene (actualmente na Líbia) em 276 A.C.. Foi astrónomo, historiador, geógrafo, filósofo, poeta, crítico teatral e matemático. Estudou em Alexandria e Atenas com Zenão e Calímaco. Por volta de 255 A.C. foi o terceiro director da Biblioteca de Alexandria. Trabalhou com problemas matemáticos como a duplicação do cubo, os números primos e escreveu inúmeros livros que foram quase todos perdidos quando do incêndio da Biblioteca de Alexandria e dos quais apenas se sabe da existência pela referência nas obras de outros autores. Por esta razão muitos põem em dúvida que algumas das determinações que lhe são atribuídas sejam de facto suas.
Certa vez, ao ler um papiro da Biblioteca, encontrou a informação de que na cidade de Siena (actualmente chamada Assuão), a cerca de 800 Km a sul de Alexandria, ao meio dia de 21 de Junho (solstício de verão) podia observar-se o fundo de um poço iluminado pelo Sol, ou seja, o Sol situava-se a prumo. Desconhece-se quem teria sido o autor dessa observação.
Eratóstenes resolveu verificar o que acontecia no mesmo dia do ano, em Alexandria ao meio dia solar. Para sua surpresa, em Alexandria as colunas projectavam sombras, devido à incidência dos raios solares sobre os objectos, que indicavam um desvio de 7º relativamente à vertical do ângulo de incidência dos raios solares.
Por que seriam as sombras diferentes, no mesmo dia e à mesma hora? Eratóstenes intuiu correctamente a resposta: porque a terra é redonda. Se fosse plana, as sombras seriam necessariamente iguais.

Figura 16 - Se a Terra fosse plana, o ângulo de incidência dos raios solares seria igual em toda a superfície da Terra.
 
É fácil ver que o ângulo que o raio do Sol faz com a vertical em Alexandria é exactamente a diferença de latitudes entre Alexandria e Siena.Reza a lenda que Eratóstenes terá mandado um escravo medir a passo a distância entre Siena e Alexandria. Este terá determinado uma distância entre as duas cidades de cerca de 4900 estádios (cada estádio corresponde a cerca de 190 m).
Assumindo que a Terra, além de redonda, era esférica, Eratóstenes calculou que se à diferença de 7º na latitude correspondiam a 4900 estádios, então os 360º do meridiano teriam um perímetro de 252 000 estádios (há autores que defendem que terá calculado 250 000 stadia).
Um estádio é uma medida grega equivalente a 600 pés gregos. Assume-se que terá entre 154 m e 215 m, sendo os valores mais prováveis entre 155 m e 170 m. Para qualquer destas medidas o valor obtido por Eratóstenes tem um erro inferior a 10% relativamente ao valor real. Este facto é notável, sobretudo se tomarmos em consideração que a distância foi medida a passo!
Eratóstenes também estimou a distância ao Sol em 804,000,000 stadia e a distância à Lua em 780,000 stadia. Obteve estes dados usando dados obtidos durante os eclipses de Lua.

Figura 17 - Determinação de Eratóstenes.
 
Ptolomeu referiria mais tarde que Eratóstenes mediu o desvio do plano da eclíptica relativamente ao equador celeste com grande precisão, obtendo o valor 11/83 de 180º, o que significa 23º 51’ 15", o que é bastante próximo dos actualmente aceites 23º 27’ 30". Compilou ainda um catálogo de 675 estrelas.
Eratóstenes viria a cegar nos últimos dias da sua vida, tendo-se suicidado à fome, em consequência disso, em 194 A.C..
PTOLOMEU
 
Claudius Ptolemaeus, conhecido como Ptolomeu, foi o ultimo grande astrónomo da antiguidade clássica. À parte do facto de viver em Alexandria, e possuir o mesmo nome que os membros da dinastia real egípcia à qual pertencia a famosa Cleópatra, não é sabido mais nada sobre a sua vida ou personalidade, excepto que fez grandes contribuições para a Ciência (não apenas à Astronomia, mas também à Matemática e à Geografia, pois desenhou o primeiro mapa do Mediterrâneo a ser construído com medidas científicas, apresentando também parte do Norte europeu). Provavelmente nasceu cerca de 120 D.C. e morreu cerca de 180 D.C., tendo o seu melhor período de actividade decorrido cerca de 150 D.C..
Ptolomeu escreveu um livro de valor inestimável para os historiadores da Ciência, o Almagest, onde compilou um excelente catálogo de estrelas, baseado no trabalho prévio realizado pelo grego Hiparco (ca.140 A.C.) e acrescentando-lhe muitas contribuições pessoais. Também fez medidas cuidadosas dos planetas e elevou o sistema geocêntrico a um nível de funcionamento quase perfeito, tendo em consideração as medidas que são possíveis de serem tiradas no espaço de uma vida. Não acreditava na rotação da Terra e não tinha qualquer ideia sobre a natureza das estrelas, mas o seu sistema encaixava nos factos observados e pode dizer-se que dadas as circunstâncias seria impossível fazer melhor.

Figura 18 - Ptolomeu (quadro do Século XV).
 
Almagest é considerado por muitos como a maior compilação de conhecimentos da Antiguidade. Tem havido muitas tentativas de minimizar a importância de Ptolomeu. No entanto, muitos dos que estudam a história da Astronomia cognominaram-no de "Príncipe dos Astrónomos".No Almagest, Ptolomeu sugere um sistema dos mundos geocêntrico, baseado em conceitos de geometria dados por Apolónio de Perga. O sistema geocêntrico resultante é muitas vezes chamado sistema ptolemaico. Este sistema possuía pela primeira vez explicação para o carácter errante dos planetas, para além de explicar as diferenças de velocidade entre os diferentes pontos da alegada órbita do planeta em torno da Terra.
Era um sistema extremamente complexo conjugando movimentos circulares uniformes em combinações variadas.
Para explicar a diferença de velocidades relativamente às estrelas de fundo, a Terra foi retirada pela primeira vez por Hiparco, do centro da esfera ocupando uma posição excêntrica. Desse modo, mesmo que o planeta descreva um movimento circular uniforme em torno do centro de curvatura, visto da Terra, esse movimento em relação às estrelas de fundo parecerá ocorrer a velocidades diferentes quando o corpo estiver no perigeu (ponto mais próximo da Terra) e no apogeu (ponto mais afastado da Terra).
O sistema excêntrico explicava também as conhecidas variações de brilho dos planetas nos diversos pontos da órbita.


Figura 19 - Visão geocêntrica do Universo.
 
 Figura 20 Figura 21 - Deferente e epiciclos no modelo ptolemaico. 
 
Assumia-se que o ponto P se movia uniformemente no círculo de referência ou deferente. No entanto, as velocidades obtidas ainda não reflectiam bem as velocidades dos planetas e muito menos as retrogradações.
O ponto P era apenas um ponto imaginário no deferente em torno do qual se definia o epiciclo. O epiciclo era uma circunferência centrada no ponto P e sobre a qual o planeta descrevia a sua trajectória num movimento circular uniforme. Para tornar o movimento do planeta idêntico à observação era apenas necessário adaptar os tamanhos do deferente e dos epiciclos até se obter a curva ajustada às observações.
 

Figura 22 - A partir do equanto o planeta varre ângulos iguais a intervalos de tempo iguais.
A Terra não necessita estar no centro do deferente mas pode ocupar uma posição excêntrica. Quando a velocidade não conseguia ser ajustada com apenas estes artifícios, existia ainda um ponto, chamado o equanto, que era excêntrico e não centrado na Terra que poderia ser a origem de um movimento uniforme que varria áreas iguais a intervalos de tempo iguais.
É evidente que Ptolomeu não se preocupou na questão de saber se há epiciclos, deferentes ou equantos "reais" nos céus. Na verdade, preocupou-se em construir um modelo, mais que representar a realidade, o que quer que isso seja.
A atitude de elaborar um modelo que tenha equações que se ajustem às observações e que permita fazer previsões, mesmo que o modelo pareça ser demasiado complicado matematicamente, não é totalmente diferente daquilo que muitas vezes ocorre com os físicos dos nossos dias.
De facto, ainda hoje, na ausência da possibilidade de arranjar uma solução física satisfatória, procura-se uma equação que se ajuste aos fenómenos observáveis e que permita fazer previsões.

HISTÓRIA DA ASTRONOMIA



           
Desde tempos imemoriais o homem olhou o céu.
Logo após a formação das primeiras sociedades, à noite em torno das fogueiras que serviam de protecção às sociedades primitivas, os primeiros seres humanos terão visto os pontos luminosos que existem no céu e ter-se-ão questionado sobre a origem e significado dos mesmos. Ao longo de séculos, essas pequenas velas cósmicas inspiraram poetas e visionários, que nelas viam o sonho e o almejado atingir de um estado de graça divino.

A história da Astronomia está por isso intimamente ligada à história do próprio Homo Sapiens, enquanto espécie capaz de estruturar sociedades e de construir conhecimento a partir da transmissão de informação de geração para geração.
Muito antes da invenção da escrita, já o céu se constituía como um importante recurso cultural entre as sociedades primitivas por todo o Mundo. Os comerciantes marítimos navegavam pelas estrelas, as comunidades agrícolas usavam-nas para saber quando deviam semear as suas culturas, sistemas ideológicos associavam determinados objectos celestes a eventos cíclicos que associavam quer a entidades terrenas como divinas e começaram a existir algumas técnicas preditivas de determinados eventos, como por exemplo, os eclipses.
Existem alguns exemplos em que é clara a integração dos objectos celestes em culturas pré-históricas. Por exemplo, foram encontradas máscaras em que é clara a integração de elementos celestes nas mesmas; esse tipo de motivos continua patente em muitas tribos primitivas actuais (ver Figura 1).
 

Figura 1 - Espírito da Lua dos Inuit. O rebordo em torno da máscara representa o ar, os aros representam os níveis do cosmos e as penas representam as estrelas. Nesta cultura Árctica a Lua fornece a maior parte da luz durante os meses de inverno pelo que ocupa um lugar proeminente na sua cultura.
Crédito: Hoskins,1997
 

Figura 2 - Sir Norman Lockyer.
 
Terão as culturas pré-históricas europeias tido uma cultura quasi-científica de observações precisas, que levassem mesmo à previsão de certos eventos? Ao longo da Europa existem restos megalíticos, construídos nos terceiro e segundo milénios antes de Cristo, que contêm alinhamentos que foram elaborados por razões astronómicas.
Sir Norman Lockyer (Figura 2), um astrónomo inglês do século XX, afirmou a este respeito:
Pela minha parte, considero que é agora completamente inequívoco, que os nossos antigos monumentos foram construídos para marcar os locais de nascente e poente de certos corpos celestes.
O tipo de alinhamentos referidos por Lockyer encontra-se patente em diversos monumentos megalíticos, dos quais o mais proeminente é Stonehenge (Figura 3).
O alinhamento de Stonehenge ao meio-dia do solstício é talvez a maior manifestação da Astronomia dos nossos antepassados. Não é provável, apesar da precisão que se verifica com certas efemérides astronómicas, que Stonehenge tenha funcionado como observatório astronómico, no sentido actual do termo, sendo mais provável que tenha sido um local de culto para rituais pagãos ligados a essas mesmas efemérides. O eixo do alinhamento de Stonehenge encontra-se na direcção do nascer-do-sol no soltício de Inverno, e em direcção ao pôr-do-sol no solstício de Verão.
Elementos megalíticos deste tipo são comuns na Grã-Bretanha, encontrando-se os círculos exteriores constituídos por 27 ou 28 pedras, que representam a duração do ciclo lunar. A Figura 4 representa uma reconstituição de Stonhenge, considerado como círculo de pedras estruturado de forma padrão.
 
 

Figura 3 - Stonehenge.
Crédito: Hoskins, 1997
 

Figura 4 - Reconstituição do que terá sido o aspecto de Stonehenge no segundo milénio antes de Cristo.
Crédito: North, 1994
 
 
Em Portugal, existe um monumento megalítico deste tipo, próximo de Évora: o Cromeleque dos Almendres (coordenadas geográficas: 38° 33.45291'N 08° 03.67664'W).

Figura 5 - Cromeleque de Almendres.
O Cromeleque dos Almendres constitui a maior planta neolítica da Peninsula Ibérica, com 92 menires parcialmente trabalhados formando círculos e alinhamentos relacionados com efemérides astronómicas.
 
CONSTELAÇÕES
O olhar para o céu desde cedo levantou a questão da sua organização. De facto, a necessidade do Homem organizar e catalogar a informação está patente no nosso quotidiano em quase todas as áreas de actividade. Quando entramos num supermercado, por exemplo, sabemos que se num expositor se encontram massas, provavelmente nesse expositor não haverá leite. Tal como se criou os mapas para nos orientarmos ao nível do solo, o Homem criou cartas celestes para se orientar através dos céus. Nas cartas celestes, as constelações são o equivalente aos países dos mapas e as estrelas o equivalente às povoações.
 
 
  
 
Figura 6 - Constelações do Hemisfério Norte. A - Os traços de união que permitem construír figuras imaginárias; B - Na Antiguidade chegavam mesmo a atribuir formas tridimensionais em torno dos traços da união.
 
 
As constelações são padrões que os seres humanos percepcionaram a partir da distribuição aleatória das estrelas visíveis no céu à vista desarmada. Representam a projecção de figuras ou imagens com relevância social, tecnológica ou mitológica para aqueles que as inventaram na época em que viviam. Originalmente reflectiam uma crença supersticiosa que os céus continham entidades ou divindades que no passado, presente ou futuro, poderiam afectar o destino humano. Esta crença ainda hoje se mantém com uma estranha adesão popular à astrologia. As estrelas de uma dada constelação não têm normalmente qualquer relação física entre elas e podem encontrar-se a distâncias completamente diferentes da Terra. Para os astrónomos actuais as constelações são auxiliares de memória que permitem saber melhor as coordenadas numéricas e ter uma ideia aproximada de qual é a área do céu que está a ser referida numa conversa.
A nossa abordagem vai considerar sobretudo as constelações ocidentais; no entanto, não deve ser esquecido que existem diversas formas tradicionais de definir as constelações para além destas. Por exemplo, as cartas celestes chinesas tinham 28 casas lunares e 122 agrupamentos de constelações. Os índios dos Andes possuíam uma série de nomes de constelações, tal como os navegadores da Polinésia.
Houveram tentativas audaciosas de redesenhar todo o céu: por exemplo, Julius Schiller no seu Coelum Stellatum Christianum..., publicado em Augsburgo em 1627, tentou substituir os símbolos pagãos por santos cristãos, baseado nos mesmos agrupamentos de estrelas.
A versão actual das constelações começou a ser traçada por Ptolomeu, que compilou as crenças anteriores à sua existência no primeiro catálogo real de estrelas, o Almagest. Diz-se frequentemente que todos os nomes tradicionais de estrelas como "Aldebaran" ou "Betelgeuse" são de origem árabe, mas isto é simplificar demasiadamente a questão, pois os nomes das estrelas têm inúmeras origens linguísticas, tendo os nomes das estrelas do Hemisfério Sul, como por exemplo "Acrux", sido atribuídos na Idade Moderna. O catálogo de Ptolomeu continha 48 constelações incluindo já as mais famosas e espectaculares como Orionte, o Touro, Pégaso, entre outras.
Com o passar do tempo, as constelações foram ilustradas em vários manuscritos, especialmente nos manuscritos árabes. Em 1482 surgiu a primeira edição de Poeticon Astronomicon de Caius Julius Hyginus, o primeiro livro a conter representações impressas das constelações mais proeminentes.
Desde então têm sido escritos imensos livros dedicados à descrição e representação das constelações.
Para um astrofísico, a constelação é uma região contida dentro de limites definidos em função da ascensão recta e da declinação que se encontram na área onde os antigos imaginavam as figuras que deram o nome à constelação.
 

Figura 7 - Concepção das Constelações. Na Antiguidade atribuíram nomes do seu quotidiano ou do seu imaginário às constelações. Hoje seria possível imaginar objectos. A - Centauro; B - Sagitário.